Blog da Fê para Você

Por Fernanda Oliveira

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Sábado, 4 de fevereiro de 2023

Crônica

AS TRANÇAS DE RAPUNZEL


“Eu não sei o que fiz de errado! Novamente eu dei o melhor de mim, sempre estive disponível, sempre abracei os problemas do Felipe como se fossem meus”. Disse Ana, com a voz trêmula de choro, cada vez mais encolhida no divã do consultório da sua psicóloga contando sobre o término de mais um namoro.

 

“Ana, me conta o que aconteceu.”

 

“Eu não sei o que dizer, não sei o que pensar neste momento. É um turbilhão na minha cabeça. É uma dor dilacerando o meu peito. A culpa só pode ser minha, eu sinto que não há outra razão.” Era possível perceber Ana se encolhendo cada vez mais, sua respiração ofegante, seus olhos se fechando pro mundo.

 

Continuou ela: “O Felipe deveria me amar e não se afastar de mim. Fiz tudo por ele.” Já soluçando: “E qual sogra não gostaria da nora que se esforça tanto para ser sua amiga? Eu já pensava na vida de casada, nas festas, nos almoços de domingo, como era lá em casa.”

 

Tentando controlar o choro, buscando nos cantos do consultório respostas. Uma pausa. Em seguida: “Neste momento fiquei um pouco constrangida com o que eu disse.” Como se reconhecesse algo que não parecia estar ali antes. Um pouco mais de realidade...talvez.

 

“Está constrangida com o quê, Ana?”

 

“Senti vergonha de como estava sonhando sozinha, um sonho infantil e de submissão a minha própria fantasia. Estávamos namorando há apenas três meses.”

 

“Ana, você sempre agiu desta forma? Sonhando, mendigando atenção e amor?”

 

O choro cessou.

 

“A minha mãe sempre teve o sonho de constituir família, cuidar dos filhos, mas teve um problema em engravidar. Fez alguns tratamentos até que ficasse grávida. Eu vim primeiro. O seu desejo continuou latente, ela queria ao menos um menino. Continuou fazendo tratamentos e após 6 anos vieram os meus irmãos gêmeos.”

 

Uma pausa.

 

“Eu e os meus irmãos nunca fomos tratados da mesma forma. Eles eram mimados ao extremo.”

 

“E como você se sentia?”

 

“Eu sentia que precisava de mais amor. Precisava da atenção dos meus pais. Sempre que podia eu tentava agradar com algo, principalmente ajudando com os meus irmãos. Me lembro de deixar o trocador pronto para o banho, adorava ser útil. E eu percebia que quanto mais eu me dedicava, cuidava dos irmãos e agradava aos pais, mais eu me sentia querida. Nunca vou esquecer da frase do meu pai, com os meus dois irmãos nos braços, olhando pra mim: ‘Ora, você é uma mocinha completa!’”.

 

“‘Mocinha completa!’! Aquilo ficou cravado na minha alma:”

 

Agora um choro intenso, com dor.

 

Ana aprendeu desde cedo sobre um sistema cruel de trocas por atenção e amor. Sua personalidade dócil e subalterna não demorou a comparecer nas amizades, na escola, sempre tentando conquistar os professores. Fazia a maioria do trabalho quando a atividade era em grupo e dividia o lanche com todos. Ela era adorada, mas o custo pessoal significava um esquema incansável de sacrifícios.

 

E no amor, aah...no amor não foi menos complicado. Ana suspira e continua.

 

“Me lembrei agora de como a minha mãe fazia questão de ressaltar na presença das suas amigas: ´Meu segundo maior sonho é assistir Ana casada e que ela me dê muitos netos!’”.

 

Ana entendia dentro de si e com papéis estigmatizantes construídos ao seu redor, que as relações sociais tinham fins específicos.

 

Ana de alguma forma aceitou ser a Rapunzel da mãe, uma sonhadora onde os desejos da mãe se tornaram a própria torre. Os meios pessoais usados para que Ana conseguisse conforto emocional se tornaram aspectos de sua identidade: utilizou e utilizava de suas tranças para alcançar a proximidade que necessitava das pessoas para ser feliz, realizada....a “mocinha completa” do papai.

 

Ana continua: “Eu sempre pensei que o relógio biológico está passando e eu não conseguia me manter nenhum relacionamento. Este é o quinto em dois anos. Está tudo tão estranho pra mim agora. O que eu estava fazendo da minha vida?”

 

“Me diz o que você quer fazer da sua vida.” Pontuou a psicóloga.

 

“Acho que quero morar sozinha, primeiramente. É como se o meu corpo ganhasse contornos de uma mulher de 28 anos que sou. E os meus irmãos? Preciso ajudar a minha mãe a cuidar deles!”

 

“Qual é mesmo a idade dos seus irmãos?”

 

“Eles tem 22 anos.”

 

Silêncio.

 

A psicóloga completa: “Arrisco em dizer que eles vão sobreviver sem os seus cuidados. Já você, vai aguentar cuidar da sua própria vida? Arriscar viver outros sonhos?”

Fernanda Oliveira


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