Por Fernanda Oliveira
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Sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023
Artigo
O CRUEL ESTIGMA DO MITO DA MÃE PERFEITA
A mãe é um ser incrível que remete à dedicação e amor incondicional. Ela vive para cuidar, amar e servir aos seus filhos, doando ao máximo dentro de sua realidade. E que realidade é essa? Até que ponto esta realidade é fruto de construção ou de imposição social?
Essa ideia sobre o mito da mãe perfeita teria surgido em 1762 com a publicação de “Emile”, uma obra filosófica sobre a natureza do homem, de Jean-Jacques Rousseau. Para o autor era inconcebível que as mulheres dispensassem seus filhos para os cuidados das amas de leite, prática muito comum na época, mudando o papel desempenhado pelas mães. Para o filósofo, o instinto maternal é inerente à mulher, sendo algo natural e obrigatório, bem como o amor pelo filho como algo também instintual.
Por conta dos relatos fantásticos defendidos pelo filósofo, desde então destacou-se esta visão de mãe perfeita. Um imaginário que pode ser um afago na alma de muitas mães que desde a tenra idade desejaram ser mães, mas que pode também representar angústia para muitas mulheres que se vêem presas a padrões rígidos e morais sobre este papel tão importante para a família.
Temos aqui a primeira questão quanto à ideia de mãe perfeita! A mulher não nasce mãe! A maternidade é construída na história e experiência vivida pela família, desde os antepassados. E com a vivência diária como mãe nos cuidados com o filho é que a mulher acessará os recursos e enfrentará os desafios de ocupar este lugar. Alguns evidentes, outros sorrateiros, todos determinantes para a saúde mental desta mãe, do filho e para toda a família.
Os desafios são muitos, mas é comum a mulher crescer acreditando que é a melhor etapa da sua vida e se deparar com incertezas, medos e angústias. E é frequente mães se sentirem frustradas ou serem apontadas como inadequadas, pois não se enquadram na fantasia da ideia de mãe perfeita que a sociedade espera.
Este sentimento de desajuste é vivenciado principalmente pelas próprias mães envolvidas neste processo, como avós, sogras, amigas, que na maioria das vezes não estão preparadas para ajudarem nesta etapa. São visões muitas vezes carregadas de padrões, feridas e fantasmas da própria experiência de vida materna.
Alguns comportamentos internos e externos são perturbados por delírios que fogem à realidade compartilhada, podendo causar aflição e grave desorientação para a mãe no puerpério. Inclusive, não é incomum a instalação de quadros de depressão no pós parto, devido às pressões enfrentadas pela mãe neste período. E uma das maiores angústias é a mãe não poder aceitar a tristeza e a doença no período em que deveria ser o mais feliz de sua vida.
E ainda no cenário atual, com a mudança na constituição familiar tivemos a saída da mulher de casa, que passou a investir numa carreira profissional e uma inserção maior do homem em casa, que se envolve mais no cuidado e na educação dos filhos.
Novos objetivos e desejos passaram a fazer parte da vida da mulher e ela experimenta de forma mais evidente a ambivalência materna. Aqui, as mulheres compartilham sentimentos de querer ser exclusivamente mãe, mas também de não se afastar da sua carreira, experimentando sentimentos de culpa, angústia e muitas dúvidas.
Ela precisa conviver com um misto de sentimentos complexos e contraditórios difíceis de serem externalizados, que na verdade pode ser o verdadeiro sinônimo da “maternidade”, principalmente no momento em que vivemos hoje.
Mas como ser uma mãe perfeita diante de uma verdadeira gangorra emocional e diante de todos os fatores que vimos até aqui? A mulher começa a passar por uma série de mudanças, tanto emocionais quanto corporais já no início da gravidez.
Quem fala sobre o assunto com mestria é a filósofa Elisabeth Badinter, autora de livros de sucesso em todo o mundo. Em 2011 com o lançamento de Le Conflit: la femme et la mère (O Conflito: A mulher e a mãe, lançado no Brasil pela editora Record), Elisabeth comprou uma verdadeira briga com relação a naturalidade inerente do instinto materno. Com suas ideias, Badinter conseguiu conquistar a inimizade de grupos de mulheres, grupos acadêmicos e outros que para a autora ajudam a cultuar a ideia da mãe perfeita.
Elisabeth se opõe totalmente a essa ideia defendida por Rousseau, intelectuais e ecologistas que estão ajudando a perpetuar a ideia de que a mulher ao dar à luz deve abdicar de si mesma. A ideia de que ela precisa se adequar aos altos padrões propostos pela própria sociedade e que determinam o que vem a ser uma boa mãe.
Para Elisabeth, estes grupos ajudam a perpetuar na mulher o sentimento de culpa e frustração quanto a maternidade. Há pessoas nestes grupos aos quais ela se contrapõe que são contra até mesmo ao uso da fralda descartável ou da anestesia no parto, com a premissa de que as mães precisam se sacrificar pelos seus filhos já desde o início, colocando-os em primeiro lugar sempre.
Ao defenderem que a mulher deve ter o seu próprio filho sem anestesia e que isso a torna mais mãe ou a aproxima mais da perfeição, acaba tirando dela o seu direito de escolha, que é para a filósofa uma das mais importantes conquistas ao longo dos anos: a voz e o poder de escolha da mulher.
Ainda de acordo com as ideias da filósofa, todas as mulheres acabam se juntando e defendem a ideia de que precisam exercer a maternidade. Assim sendo, muitas saem do mercado de trabalho para poderem se dedicar inteiramente a alcançarem a idealização da mãe perfeita. Sem levar em conta a sua construção de vida, seus ideais e desejos.
Nesse ponto, Elisabeth faz uma ressalta interessante. Para
ela, há uma queda substancial no número de mulheres que estão tendo filhos e o
número da prole também tem caído quando ela ocorre. Esses dados são claramente
observados, sobretudo, em mulheres com mais escolaridade.
Por outro lado, Elisabeth acredita que há muitas mulheres que por pressão da família, do marido e igualmente dos amigos acabam tendo filhos mesmo sem que isso seja um desejo intimo seu. As mães não precisam ser filhos “obrigadas”. O resultado disso acaba sendo mães frustradas e medíocres na criação de seus filhos.
Outra situação frequente são as mães superprotetoras, para essas mães os filhos não podem sofrer nenhum tipo de frustração e com isso as crianças se tornam verdadeiros tiranos em casa, dominando completamente toda e qualquer situação.
Justamente por conta disso, é preciso que discutamos o quanto essas ideias de maternidade romantizada e mãe perfeita são ultrapassadas e não podem ser difundidas socialmente uma vez que interfere e no exercício pleno da maternidade e igualmente na ligação entre mãe e filho de maneira natural e imperfeita como seres humanos.
Elisabeth diz que não há modelos adequados quanto a como exercer a maternidade, caso contrário recairíamos em um novo modelo que poderia ser perfeito. Para a autora é preciso clareza da mulher para decidir sobre a maternidade. A resposta deste impasse pode ser uma mulher que decide equilibrar a maternidade e a sua carreira profissional; ou uma mulher que decide não ter filhos; bem como a decisão de se dedicar inteiramente à maternidade.
A resposta está dentro de cada mulher, mesmo que muitas vezes possa parecer concreta ou nebulosa, a resposta sempre estará na reflexão e no conhecimento sobre o que é a maternidade, como toda a sua magia e os seus desafios.
E de fato é possível ser mulher, mãe e realizadora.
Desta forma, não existe modelo ideal de mulher, nem de mãe perfeita!
Esta ideia de modelo está longe de ser real e precisa ser desconstruída!
Fernanda Oliveira
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